Competência legislativa: proteção do consumidor e lealdade à Federação
O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II, III e IV do art. 2º da Lei 1.939/1991 do Estado do Rio de Janeiro. A norma impugnada dispõe sobre a obrigatoriedade de informações nas embalagens dos produtos alimentícios comercializados naquele Estado-Membro e estabelece as respectivas sanções.
Inicialmente, o Colegiado afastou preliminar no sentido de que o exame da constitucionalidade da lei passaria pelo cotejo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O foco da análise, no caso, refere-se às regras constitucionais de repartição da competência legislativa e não ao exame da validade dos atos impugnados em face da legislação infraconstitucional.
No mérito, o Tribunal repisou sua jurisprudência no sentido de que, em sede de competência concorrente, o livre espaço para a atividade legislativa estadual é autorizado na hipótese de não existir legislação nacional a contemplar a matéria. Ao existir norma geral, a legislação estadual poderá preencher eventuais lacunas.
No caso, a lei impugnada entrou em vigor quando já havia ampla legislação nacional sobre a matéria, e boa parte do conteúdo da norma local estava disciplinada por lei federal. Nesse sentido, a lei estadual especifica exigências mais rígidas do que o previsto na legislação federal, ponto em que fica claro o conflito normativo.
Esse conflito fica explícito quando se nota que um mesmo produto não pode ter dois rótulos ou embalagens, um nacional e outro estadual, ainda que as informações contidas no produto em circulação local sejam mais completas, em benefício do consumidor. Isso implicaria, em última análise, criar uma autorização para que houvesse tantos rótulos quantos são os Estados-Membros.
A intenção do constituinte foi de, por um lado, promover a integração e a cooperação entre os entes federados e, por outro, combater todas as práticas que estimulem a concorrência predatória ou a criação de barreiras ao comércio ou à livre circulação de bens e pessoas no território nacional.
Além disso, os dispositivos impugnados também não se justificam diante do princípio da proporcionalidade. Se admitido que os Estados-Membros possuem competência para legislar sobre informações contidas em embalagens de produtos que circulam em seu território, o fim de proteção ao consumidor é alcançado por meio excessivo, pois são criadas dificuldades a produtos provenientes de outros Estados-Membros. Isso significa ferir o denominado princípio da lealdade à Federação, que fomenta uma relação construtiva, amistosa e de colaboração entre os entes federados. Nesse sentido, os dispositivos impugnados também estão em desconformidade do o art. 22, VIII, da Constituição Federal (CF).
Assim, justifica-se a necessidade de o tema ser tratado privativamente pela União, de modo a uniformizar o comércio interestadual e, consequentemente, evitar que os laços federativos sejam embaraçados. Há clara predominância de interesse federal a evitar limitações que possam dificultar o comércio interestadual.
Ainda que tenha havido casos em que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade de legislações estaduais que determinam o aumento do número de informações que devem ser fornecidas a consumidores locais, tratava-se de produtos específicos, e não de todos os produtos alimentícios comercializados no local, como nesse caso.
Vencidos os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que julgaram o pedido totalmente procedente, com fulcro no art. 24, § 4º, da CF. Incluíram, na declaração de inconstitucionalidade, as penalidades previstas na legislação adversada. Para eles, a superveniência de legislação federal (Lei 9.782/1999) que regule a matéria de forma detalhada implica perda de eficácia da lei estadual que a contrarie.
Vencidos, também, os ministros Edson Fachin, Celso de Mello e Cármen Lúcia, que julgaram o pedido totalmente improcedente. Consideraram que a máxima efetividade da proteção ao consumidor, derivada do seu direito de informação, sustenta a lei em debate.
ADI 750/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.8.2017. (ADI-750)
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